O advento do Golpe da República em 1889 acirrou as divergências entre as forças armadas, criando um racha profundo entre Exército e Marinha. O Exército Brasileiro apoiou seus oficiais que se tornaram presidentes, como Deodoro da Fonseca (1889–1891) e Floriano Peixoto (1891–1894). Em contrapartida, a Marinha do Brasil fez forte oposição ao governo dos Marechais Deodoro e Floriano.
Em 1891, a dissonância entre os Marechais e os Almirantes atingiu o seu ápice. Neste ano, Deodoro da Fonseca enfrentava uma forte oposição política do Congresso, e para resolver esta crise, o velho Marechal decidiu romper com a Constituição Republicana e fechar o parlamento. Essa ação autoritária acabou por gerar um grave conflito entre os oficiais da Marinha e do Exército.
Determinado a derrubar o governo do Marechal, o Almirante Custódio de Melo se rebelou, reunindo os melhores navios de guerra disponíveis e apontando os poderosos canhões dos encouraçados para a cidade do Rio de Janeiro, exigindo a renúncia do Marechal.
A pressão exercida por Custódio de Melo alcançou seu objetivo em novembro de 1891, quando o Marechal Deodoro renunciou à presidência. A partir desse momento, Floriano Peixoto, também um militar de forte personalidade e envolvido no golpe de 1889, assumiu o poder.
Ao assumir o governo, Floriano deixou evidente que não convocaria novas eleições presidenciais, desrespeitando a determinação da Constituição de 1891, que mais uma vez foi ignorada e negligenciada pelos marechais. No desenrolar dessas divergências políticas, os Almirantes Eduardo Wandenkolk e Custódio de Melo se opuseram ao governo florianista, resultando no episódio que ficou conhecido como a Segunda Revolta da Armada (1893–1894).
Como campistas, temos a honra de acompanhar as notáveis ações dos ilustres almirantes que nasceram em nossa terra: Dionísio Manhães Barreto e Luís Filipe de Saldanha da Gama.
O almirante Dionísio Manhães Barreto é um dos signatários do Manifesto dos Treze Generais, publicado em 1892. Esse manifesto desafiava a ditadura de Floriano Peixoto e clamava pela convocação de novas eleições. Porém, menos contido que Dionísio, o almirante Saldanha da Gama entrou de cabeça na Revolta da Armada em dezembro de 1893, assumindo o comando da esquadra rebelde brasileira.
Nosso artigo anterior, “Luís Filipe de Saldanha da Gama — O Almirante de Aço”, revisitou a importância da atuação de Saldanha da Gama na defesa da Ilha do Governador contra as tropas de Floriano Peixoto. Avaliamos sua coragem e destreza militar nesse confronto crucial. No entanto, nenhuma outra batalha se compara à intensidade e importância da Batalha da Ponta da Armação.
Em fevereiro de 1894, Saldanha da Gama e seus marinheiros enfrentaram uma terrível crise humanitária na Baía de Guanabara. Sem uma esquadra capaz de confrontar os rebeldes, Floriano Peixoto adotou uma estratégia de isolamento, munindo todos os fortes e morros da cidade com artilharia pesada. O objetivo era manter os navios rebeldes sob vigilância constante e impedir que qualquer tipo de suprimentos chegasse até eles. Para piorar a situação do líder naval, os EUA quebraram a sua neutralidade no conflito e decidiram dar fim ao bloqueio naval do almirante campista na Baía da Guanabara, favorecendo grandemente o governo florianista.
O bloqueio naval era uma estratégia fundamental para manter o governo sufocado e isolado comercialmente, privando-o de poder realizar ações de importação e exportação de armas e suprimentos. Os EUA intervieram diretamente no conflito em 1894, o presidente americano Cleveland enviou poderosos navios de guerra para o Brasil, incluindo o moderno Cruzador Detroit, comandado pelo experiente Almirante Andrew E. K. Benham.
A chegada da poderosa frota naval americana à Baía da Guanabara alterou significativamente o equilíbrio de forças no conflito. A presença de navios de guerra americanos, equipados com armamentos superiores, intimidou a esquadra rebelde de Saldanha, que, apesar da resistência inicial, não conseguiu manter o bloqueio naval.
Essa intervenção estrangeira fortaleceu a posição de Floriano Peixoto e enfraqueceu consideravelmente a resistência dos rebeldes. Os acontecimentos da intervenção estrangeira, como a troca de disparos e as negociações diplomáticas, foram minuciosamente descritos por Joaquim Nabuco em sua obra 'A Intervenção Estrangeira durante a Revolta de 1893', um importante estudo sobre a política externa brasileira do período.
Indignado com a intervenção americana e compreendendo a precariedade de sua posição, o almirante campista decidiu dar um último golpe contra o governo. Visando marcar a história e infligir um golpe moral significativo a Floriano, o almirante da planície planejou um ataque surpresa ao Forte de Ponta de Areia em Niterói.
Na madrugada de 9 de fevereiro de 1894, à frente de 400 jovens da Escola Naval, Saldanha lançou-se, à noite, em um audacioso ataque ao Forte. A guarnição governamental, composta por 3 mil soldados e equipada com poderosos canhões, oferecia uma resistência formidável, tornando a missão quase suicida. No entanto, o almirante, movido pela esperança de lavar a honra da marinha acreditava que a audácia poderia levar à vitória.
Nas palavras imortalizadas por Pedro Lafayette em sua obra 'Saldanha da Gama', o almirante campista, com voz vibrante, exortava seus comandados: 'Hoje, a nação conhecerá os seus marinheiros!'.
Sob a capa da noite, às 3 horas da madrugada, o imponente encouraçado Aquidabã deslizava lentamente pela Baía da Guanabara, seus canhões gigantescos miravam a fortaleza da Armação. A bordo do cruzador Liberdade, Saldanha da Gama, com olhar firme, coordenava as operações, dividindo suas tropas em quatro colunas para um ataque simultâneo por todos os lados. Os demais navios, igualmente armados, seguiam o Aquidabã, oferecendo cobertura de fogo. Enquanto isso, a mocidade naval, em silêncio, escalava o morro, pronta para o assalto.
Após às 3h da manhã, os jovens comandados por Saldanha surpreenderam os sentinelas da fortaleza e, utilizando armas brancas, os militares sob comando do líder militar campista mataram silenciosamente os guardiões da fortaleza. Entretanto, o silêncio foi desfeito pelos tiros simultâneos dos Fortes de Santa Cruz e São João. Na defesa de Saldanha, responderam também ao fogo inimigo as Ilhas de Villegagnon e das Cobras.
A estratégia inicial de um ataque furtivo e objetivo foi desfeita, e o poderoso Aquidabã entrou em ação, cuspindo tiros de grosso calibre em direção ao Forte da Armação. O almirante campista desembarcou na fortificação com sua espada apontada para o céu ao mesmo tempo em que exclamava ordens para seus homens em terra, arriscando a própria vida. Com os tiros e as explosões, a população de Niterói acordou assustada com os disparos vindos do Forte Gragoatá, Santa Cruz e da Armação.
Às 6h da manhã, Saldanha da Gama e seus jovens derrotaram toda a defesa do Forte, deixando um rastro de sangue de destruição por toda parte. Seguindo as ordens do Almirante, a mocidade naval saqueou toda a artilharia do reduto militar e lançou ao mar todos os canhões de grosso calibre.
Pedro Lafayete descreve o momento em que a sorte de Saldanha da Gama parecia selada. Um soldado inimigo, aproveitando-se de um descuido, apontou sua arma para o almirante, exigindo sua rendição. Mas Saldanha, com a coragem de um herói, recusou-se a se entregar e, em um ato de bravura, atacou seu oponente com seu sabre. Ferido mortalmente, o soldado ainda conseguiu disparar, atingindo de raspão o pescoço do almirante.
O objetivo inicial de Saldanha havia sido alcançado em uma façanha que lembrava os feitos dos antigos espartanos. Com uma força ínfima, composta por apenas 400 homens inexperientes e poucos navios, ele havia, em poucas horas, conquistado uma das mais importantes e temidas fortalezas do Exército, guarnecida por uma força muito maior sob o comando do General Argôlo.
Às 11h da manhã, as tropas de Saldanha da Gama avançavam sobre Niterói, rumo à Fortaleza de Santa Cruz. A cobertura naval do Aquidabã, no entanto, era constantemente ameaçada pelo fogo incessante do Forte de Gragoatá. Com a sede de vingança, o General Argôlo contra-atacou com milhares de soldados.
Diante da iminência de um massacre, Saldanha ordenou a evacuação da cidade e do Forte. Exposto ao fogo inimigo durante a retirada, o almirante foi atingido mais uma vez, desta vez em seu braço. Mesmo ferido, recusou-se a ser atendido até que o último de seus homens estivesse a salvo a bordo dos navios, que, sob intenso fogo, garantiram a fuga da esquadra.
O ataque anfíbio das tropas de Saldanha da Gama ao Forte da Armação revelou a fibra e bravura dos marinheiros brasileiros, deixando uma marca indelével na história militar nacional. Contudo, semanas depois, Saldanha da Gama e seus homens buscaram refúgio político na Marinha Portuguesa, que acolheu o pedido do almirante campista. Tal decisão desencadeou a ira de Floriano Peixoto, culminando no rompimento das relações diplomáticas entre o Brasil e Portugal.
O ataque à Ponta da Armação foi um capítulo trágico e glorioso da história naval brasileira. A perda de 253 marinheiros foi um preço alto a pagar, mas a vitória foi fundamental para a honra da esquadra. A estratégia de Saldanha, que visava um golpe rápido e eficaz, foi bem-sucedida, desmoralizando o Exército e expondo a fragilidade do governo. Apesar da tentativa de manipular a opinião pública, o governo não conseguiu ocultar a verdade: Saldanha havia infligido uma derrota humilhante a Floriano Peixoto.
Os jovens marinheiros, com bravura, cumpriram a missão, corroborando os versos do hino da marinha: 'Dada por finda a nossa derrota, temos cumprido a nossa missão'.
Rui Barbosa, em sua profunda admiração, considerava Saldanha da Gama como 'heróis dos heróis', o homem mais completo de caráter mais extraordinário que já conhecera.
Matheus Alvarenga Gonçalves é um pesquisador e acadêmico do 6° período do curso de História da Universidade Federal Fluminense. Tem como principal área de pesquisa a História do Brasil Imperial.