É muito comum, ao entrarmos em estabelecimentos comerciais — padarias, lojas de roupas, depósitos de materiais de construção — nos depararmos com uma cena recorrente: vendedores e operadores de caixa em atividade por longas horas, quase sempre em pé, sem qualquer estrutura que proporcione conforto ou cuidados com a saúde física desses profissionais. A ausência de mobiliário ergonômico adequado é uma realidade visível em boa parte desses locais — e infelizmente, quase sempre ignorada.
Em muitos desses estabelecimentos, é possível ver colaboradores se revezando em um único banco de madeira, duro, sem encosto, nitidamente desconfortável. Essa prática, por vezes, chega a parecer cultural: como se manter o trabalhador de pé durante todo o expediente fosse sinônimo de eficiência, prontidão ou maior produtividade. No entanto, essa mentalidade revela um grande equívoco — que, além de comprometer a saúde dos trabalhadores, impacta diretamente o desempenho e os resultados do próprio negócio.
O risco ergonômico é um tipo de ameaça silenciosa. Ele não age de forma imediata, como em um acidente de trabalho tradicional, no qual há uma lesão visível e instantânea. Pelo contrário, os efeitos da exposição a condições ergonômicas inadequadas são graduais. É uma construção lenta, quase imperceptível no início, mas que com o tempo vai afetando músculos, articulações, postura, circulação, até se transformar em doenças graves — muitas delas irreversíveis.
A sensação de desconforto, que muitas vezes começa com pequenas dores, pode evoluir para quadros de lombalgia, lesões por esforços repetitivos (LER), varizes, hérnias de disco, tendinites, entre outros problemas que acabam afastando o trabalhador de suas funções. E o afastamento tem um custo alto — tanto para a saúde do colaborador quanto para o bolso da empresa.
A Norma Regulamentadora nº 17 (NR-17), que trata da ergonomia, determina que as empresas devem adaptar as condições de trabalho às características psicofisiológicas dos colaboradores. Isso inclui o fornecimento de mobiliário adequado: cadeiras com encosto, regulagem de altura, apoio para os pés, bancadas ajustadas, monitores posicionados corretamente. Ou seja, cada elemento do posto de trabalho precisa estar em harmonia com o corpo e a atividade de quem o executa.
Um exemplo claro é o da operadora de caixa de uma padaria, sentada em uma cadeira sem encosto, utilizando um monitor posicionado abaixo da linha dos olhos. Essa posição, repetida diariamente por horas, força a coluna, o pescoço, os ombros. Com o tempo, os efeitos aparecem — e são duradouros. Além das dores, vem a fadiga constante, a redução do rendimento e, em muitos casos, o afastamento médico.
É justamente nesse ponto que se quebra a lógica de que manter o trabalhador “ativo” o tempo todo traz mais resultado. A prática mostra que, na verdade, é o cuidado com o trabalhador que sustenta a produtividade. A negligência com a ergonomia, além de ilegal, é ineficaz e pode custar caro.
Empresas que ignoram esse aspecto essencial do ambiente de trabalho tendem a lidar com altos índices de absenteísmo, rotatividade de pessoal e queda na qualidade do atendimento. Já aquelas que investem em ergonomia colhem frutos claros: equipes mais saudáveis, engajadas, com maior capacidade de entrega e menor incidência de afastamentos.
Portanto, atender às exigências ergonômicas não é apenas uma questão de cumprir a legislação — é uma escolha inteligente de gestão. É um compromisso com a dignidade humana e com a sustentabilidade do próprio negócio.
Ergonomia não é luxo. É prevenção, respeito e, sobretudo, inteligência no ambiente de trabalho.
Matheus Alvarenga Gonçalves é pesquisador e acadêmico do 7° período do curso de História da Universidade Federal Fluminense, onde se dedica ao estudo da História do Brasil Imperial. Além disso, é formado como Técnico em Segurança do Trabalho desde 2020, atuando na área de segurança ocupacional.