No início da década de 1970, a segurança e saúde no trabalho no Brasil ainda davam seus primeiros passos mais sólidos. Foi nesse período que surgiram as Normas Regulamentadoras (NRs), um marco importante na tentativa de reduzir os acidentes e promover condições mais dignas para os trabalhadores. No entanto, as grandes obras de engenharia da época foram erguidas à base de muito esforço humano, e, infelizmente, também de muitas vidas perdidas.
A construção da Ponte Rio-Niterói, um dos maiores desafios da engenharia brasileira, não foi diferente. Com seus 13,29 quilômetros de extensão, a ponte liga a cidade do Rio de Janeiro a Niterói sobre a Baía de Guanabara e, à época, foi considerada a segunda maior do mundo em sua categoria. No entanto, o que deveria ser um símbolo apenas de progresso e inovação também carrega uma história marcada pela precariedade da segurança no trabalho e pelo alto custo humano.
Estima-se que pelo menos 33 trabalhadores tenham morrido durante a construção da ponte, entre 1968 e 1974. Esse número pode ser ainda maior, considerando que a obra ocorreu durante o regime militar brasileiro (1964-1985), período conhecido pelo forte controle de informações, especialmente aquelas que poderiam comprometer a imagem do governo. Muitos acidentes sequer foram oficialmente registrados, e até hoje carecemos de dados mais detalhados sobre as reais condições enfrentadas pelos operários.
Naquele período, as máquinas e equipamentos eram projetados com foco exclusivo na produtividade, sem uma preocupação significativa com os riscos inerentes ao seu uso. As medidas de proteção eram mínimas, e a cultura da segurança no trabalho ainda estava longe de ser prioridade nos grandes projetos de infraestrutura.
Segurança no Trabalho Hoje: Avanços e Desafios Persistentes
Atualmente, a segurança do trabalho evoluiu significativamente, sendo respaldada por legislações e normas mais rigorosas. Empresas de grande porte, especialmente no setor de construção civil, já incorporam ferramentas como Análise Preliminar de Risco (APR), Permissão de Trabalho (PT) e outras práticas preventivas. No entanto, o Brasil ainda enfrenta desafios alarmantes.
Os índices de acidentes de trabalho seguem altos. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que o Brasil está entre os países com maior número de acidentes laborais no mundo. Segundo o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, somente em 2022 foram registrados mais de 600 mil acidentes de trabalho no país, resultando em milhares de mortes e incapacitações permanentes.
Entre os principais fatores que perpetuam essa realidade estão:
A negligência de algumas empresas, que enxergam a segurança no trabalho apenas como uma burocracia onerosa, em vez de um investimento em produtividade e qualidade de vida.
A existência de profissionais de Segurança e Saúde do Trabalho (SST) que se limitam a vender laudos e documentos sem a devida aplicação prática.
A corrupção dentro de órgãos fiscalizadores, onde alguns auditores do trabalho deixam de cumprir seu papel em troca de vantagens.
Embora a legislação tenha avançado, a cultura da segurança no trabalho ainda precisa ser fortalecida. Enquanto houver empresários que enxergam as normas como um fardo e profissionais que compactuam com irregularidades, o Brasil continuará lidando com tragédias evitáveis.
A história da construção da Ponte Rio-Niterói nos ensina que o progresso não pode ser feito à custa de vidas humanas. O desenvolvimento da engenharia deve caminhar lado a lado com o respeito à segurança dos trabalhadores. O futuro das grandes obras no Brasil precisa ser marcado não apenas por recordes de extensão e inovação, mas também pela garantia de que nenhum trabalhador pague com a própria vida pelo avanço da infraestrutura do país.
*Matheus Alvarenga Gonçalves é pesquisador e acadêmico do 7° período do curso de História da Universidade Federal Fluminense, onde se dedica ao estudo da História do Brasil Imperial. Além disso, é formado como Técnico em Segurança do Trabalho desde 2020, atuando na área de segurança ocupacional.